A Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) aprovou proposta de novo modelo de comercialização de biodiesel no Brasil. De acordo com a proposta, os leilões públicos de comercialização de biodiesel com o intermédio da Petrobras deixarão de ser realizados e produtores de biodiesel e distribuidores de combustíveis poderão negociar a compra do produto diretamente. A alteração será formalizada após consulta pública, em resolução da ANP que revogará a atual Resolução ANP 33/07.

O novo modelo de contratação passará por consulta pública em julho/2021, audiência pública em agosto/2021, com previsão de nova resolução em outubro/2021, a vigorar a partir de 01/01/2022.

De acordo com a Lei Federal nº 13.033/14, a adição de biodiesel ao óleo diesel comercializado no país é obrigatória e compete ao Conselho Nacional de Políticas Energéticas (CNPE) a determinação desse percentual, atualmente em 15%. Segundo a Resolução CNPE 5/07, todo o biodiesel utilizado para atendimento desse requisito de adição obrigatória deve ser adquirido através de leilões públicos envolvendo os produtores de biodiesel e produtores e importadores de óleo diesel.

Na prática, a Petrobras sempre atuou como adquirente exclusiva de todo o biodiesel comercializado nesses leilões, revendendo-o aos distribuidores. Ocorre que se, por um lado, os leilões garantem o equilíbrio entre oferta e demanda, por outro, contêm imperfeições. A primeira está no fato de a Petrobras estar envolvida, mas não atuar com biodiesel em sua cadeia de produção. Ainda, a própria ANP alega que os custos regulatórios de realização desses leilões são significativos e o fato desses procedimentos terem que seguir as regras rígidas dos editais acaba por tirar a flexibilidade da Agência no atendimento de situações específicas de desabastecimento.

Nesse contexto, o CNPE determinou, através da Resolução 14/20, que a ANP estudasse e propusesse um novo modelo de comercialização do biodiesel que substituísse os leilões públicos, cujo resultado está na Nota Técnica Conjunta 10/2021/ANP, na qual destacam-se três seções principais: (i) contextualização da sistemática atual de comercialização de biodiesel e a motivação de sua alteração, (ii) descrição e caracterização do atual modelo de leilões públicos para a comercialização de biodiesel e (iii) avaliação da aplicabilidade de dois modelos de comercialização de biodiesel: o leilão privado e a contratação direta.

A contratação direta consiste na fixação, por via regulatória, de meta volumétrica compulsória de contratação prévia de biodiesel a ser comercializado entre ofertantes e demandantes para determinando intervalo de tempo, de modo que caso a contratação de volume igual ou superior à meta não ocorra, há a penalização dos inadimplentes, como forma de medida coercitiva. O modelo se baseia na premissa de que os contratos de compra e venda de biodiesel trazem previsibilidade às operações que ocorrerão nos meses seguintes, mas dá liberdade aos agentes para negociarem bilateralmente as condições em que estas operações vão ocorrer, no que tange à prazos, preços, nível de serviços, etc.

A seguir, destacamos as principais características do modelo de Venda Direta:

  • Agentes afetados pela meta de contratação: os contratos serão estabelecidos diretamente entre produtores de biodiesel e distribuidores de combustíveis líquidos, de modo que apenas estarão obrigados ao cumprimento da meta os produtores que representarem participação de mercado igual ou superior a 3% do volume total de biodiesel comercializado no ano anterior no país e somente estarão obrigados ao cumprimento da meta os distribuidores que representarem percentual igual ou superior a 5% do volume de diesel B comercializado no ano anterior em pelo menos uma unidade da federação.
  • Meta de Contratação e livre mercado: os agentes econômicos serão obrigados a demonstrar para a ANP que têm contratado, a cada bimestre, no mínimo 80% do volume necessário para a mistura obrigatória, tendo como base sua comercialização no mesmo período do ano anterior e ajustado para o percentual mínimo obrigatório de mistura de biodiesel vigente para cada período.
  • Metodologia e sistema de envio das informações: a fim de tornar possível a fiscalização da obrigação do cumprimento das metas de contratação, é necessário que a ANP receba informações sobre os contratos firmados entre os agentes. O sistema deve ser capaz de garantir que as partes informantes sejam realmente representantes das empresas obrigadas, além de contar com a confirmação de ambas as partes do contrato sobre a existência deste.
  • Periodicidade: as metas seriam estabelecidas para cada bimestre do calendário. Ainda, os contratos firmados com o objeto de cumprir as metas individuais devem ser celebrados com prazo que coincida com o calendário bimestral, ou seja, que se inicie no início de um bimestre e termine ou ao final deste, ou ao final de outro bimestre do calendário.
  • Selo Biocombustível Social: o artigo 2º da Resolução CNPE 14/2020 determina que o modelo de comercialização deve prever que até 80% do volume de biodiesel comercializado seja proveniente de unidades produtoras de biodiesel detentoras do “Selo Biocombustível Social”. Uma vez cumprido o volume mínimo contratado junto às unidades produtoras detentoras do selo, o restante da demanda do distribuidor poderia ser complementado mediante aquisições junto a importadores, unidades produtoras sem o selo e mesmo junto a unidades com selo, por meio de contratos ou no mercado à vista (spot).
  • Importadores: não deve haver meta de contratação para estes agentes, visto que são importantes para a contestação do preço no mercado nacional, além de atuarem de forma complementar à oferta nacional, internalizando o produto em janelas de oportunidade.
  • Cumprimento da mistura mínima: para garantir o cumprimento da mistura mínima do biodiesel no óleo diesel, será proposto um reforço na realização do controle via balanço volumétrico, com base nos dados declarados pelos agentes no Sistema de Informações de Movimentação de Produtos (SIMP). A ANP realizará auditorias para verificar quanto cada distribuidor comprou de óleo diesel A, a quantidade de biodiesel adquirida e o volume do produto que foi utilizado na mistura. Assim, poderá sinalizar o cumprimento ou não da mistura obrigatória por cada estabelecimento do distribuidor.
  • Penalidades: será necessário contar com a sistemática de aplicação de sanções, em caso de descumprimento. Assim, um dos efeitos esperados do mecanismo de penalidade é a dissuasão, que consiste na punição exercida pela fiscalização administrativa e objetiva repercutir no indivíduo que praticou a infração para que não volte a cometê-la e em outros indivíduos, para que não adotem condutas análogas. Outra consequência esperada é que o benefício auferido pelo cometimento da infração não supere os custos incorridos ao cometê-la, ponderado pela probabilidade de ser punido. Dessa forma, tão mais efetiva será a aplicação de um modelo de “comando de controle”, quanto maiores forem os custos ao cometer a infração e a probabilidade de ser punido, bem como mais amplo for o efeito de dissuasão.

Portanto, verifica-se que o modelo de comercialização ou venda direta torna flexível a aquisição de biodiesel; simplifica a forma de aquisição deste, quando comparada à aquisição via leilões, porque suprime um terceiro intermediário na relação entre compradores e vendedores; bem como a contratação direta entre ofertantes e demandantes concorre para um mercado de biodiesel mais eficiente, já que se tornam viáveis mais operações vantajosas para ambas as partes.

Apenas destacamos como ponto de atenção o impacto tributário da proposta de venda direta. Hoje, a legislação do ICMS prevê que a venda do biodiesel pelos produtores está sujeita ao tributo, mas o seu pagamento é diferido para o momento da venda do biodiesel pelos distribuidores. Logo, como a saída do biodiesel realizada pelos produtores não é tributada, existiria o entendimento de que as aquisições de insumos pelos produtores não gerariam o direito ao aproveitamento de créditos de ICMS. Ocorre que, pelas informações divulgadas pela ANP, a Petrobras conseguiria absorver esse não aproveitamento do crédito de ICMS em sua estrutura fiscal, evitando o aumento do custo tributário do biodiesel. Contudo, com a saída da Petrobras da cadeia de fornecimento do biodiesel, existiria o risco de um aumento no custo tributário, que provavelmente, será repassado no preço ao consumidor final.

Nosso escritório pode assessorá-lo na análise da minuta da resolução e na participação da consulta e audiência públicas, e posteriormente na elaboração e/ou análise de contratos de fornecimento de biodiesel.

Notícia Migalhas

Este boletim tem objetivo meramente informativo e está sendo produzido excepcionalmente com o caráter de informar nossos clientes, parceiros e amigos sobre as notícias e medidas adotadas no âmbito jurídico. Ele não reflete a opinião de nosso escritório e de seus integrantes, de qualquer forma.

Mais informações: 

Empresarial, contratos e arbitragem: Daniel Tavela Luís (daniel@mluis.adv.br) 

Tributário e contencioso: Victor Nóbrega Luccas (victor@mluis.adv.br)   

Daniel Tavela Luís
Victor Nóbrega

Daniel Tavela Luis e Victor Nóbrega Luccas

Daniel Tavela Luís, sócio de Manuel Luís Advogados Associados. Professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Coordenador do Grupo de Estudos de Arbitragem e das Atividades de Extensão da Faculdade de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie.

Victor Nóbrega Luccas, sócio de Manuel Luís Advogados Associados. Professor da FGV Direito SP. Coordenador de Pesquisas Aplicadas no Centro de Ensino e Pesquisa em Inovação – CEPI da FGV Direito SP.